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Notavelmente nós, humanos, vivemos no embate razão- emoção e temos a dura missão de intermediar esse conflito. Um dos exemplos mais nítidos dessa guerra seria um vestibular. Num domingo insuportavelmente quente, a única vontade que dá é de ficar na piscina o dia todo, de preferência tomando uma “breja” gelada e ouvindo um samba na companhia dos amigos.
Mas não é bem assim que acontece com um pobre vestibulando. Na hora em que o sol está queimando as costas do pessoal na piscina, estamos sentados numa cadeira dura acompanhados de uma prova de 90 questões que falam desde a Antiguidade Clássica até pilha e campo magnético. É nessa hora que começa a grande guerra. A emoção começa a gritar, e pede pra que eu jogue aquela pilha de papel pela janela e saia correndo. Mas é a razão quem, quase sempre, ganha. O que fazer? “Senta e chora”? Não. Respirar fundo, contar até dez e começar.
Parece que estou indo bem, que bom! Lá pelas tantas aparece aquela questão que eu não faço a MENOR idéia de como fazer. A emoção está falando alto, mas perde de novo. E agora? Respira fundo, engole o choro e pau na máquina!
“Quem sente pára”. Até Fernando Pessoa disse isso em uma de suas grandes poesias. Até na poesia, onde há espaço para a manifestação dos sentimentos e dos desejos pessoais reprimidos, o raciocínio lógico e frio muitas vezes ganha a guerra.
Mas isso não deveria ser algo tão difícil de lidar, deveríamos estar acostumados e dar a guerra por vencida, reconhecendo a razão como vencedora. Afinal, somos a sociedade pós-industrial, vivemos na era da máquina, da velocidade, da competição e dos descartáveis. Sendo assim, aqueles que dão muita voz a desejos pessoais em detrimento do pensamento racional são fácil e rapidamente substituídos, descartados como uma garrafa pet. Triste não? É, mas não há tempo para chorar.
Até aqui, talvez eu pareça uma mal amada insensível. Não sou não, mas infelizmente não posso satisfazer meus desejos sempre, e isso me irrita bastante. Dá uma vontade louca de largar a prova no meio e pular na piscina, de dar um soco no DVD que não funciona direito, de pôr o carro na estrada e ir atrás de quem mora longe, entre outras coisas. Mas na maioria das vezes o que eu e todos fazemos é reprimir as vontades, manter a compostura, e continuar as obrigações. Assim até parece que nos, humanos, passamos a ser unidimensionais, dotados apenas de razão.
A ruptura mais nítida dessa dicotomia razão-emoção se deu na época da contra cultura dos anos 60, quando os jovens se manifestavam contra a moderna sociedade industrial e o intenso racionalismo da época. Daí o movimento hippie, que incitou milhares de jovens a lutarem por liberdade, e por um mundo que fosse alternativo ao “sistema”. As drogas, aliás, serviam para atingir a transcendência material de que tanto falavam.
Claro que não estou pregando nada contra o racionalismo, muito menos a favor das drogas, apenas dizendo o quanto é difícil balancear nossas decisões levando em conta apenas um aspecto, norteados apenas por um lado do cérebro. O ideal seria o equilíbrio entre o racional e o emocional. Ainda assim imagino como seria adotar, ao menos por um dia, o pensamento dos jovens da década de 60.
Seria tão legal acordar um dia, olhar pela janela e pensar: “Que dia lindo! Hoje não vou trabalhar, vou dar uma volta no parque, ou quem sabe descer para a praia...”. Isso até poderia acontecer (quem sabe um dia eu faça isso), mas o peso na consciência tornaria aquele sol em imensas nuvens pretas e carregadas de culpa à medida que nos lembramos do dia perdido no trabalho, do relatório que era para ser entregue, daquela prova... Enfim, das coisas chatas que geralmente ocupam nosso cotidiano.
A vida é cheia de pedras no caminho mesmo né? E apesar de difícil, ela nos vai ensinando a lidar com essa guerra que todos temos que suportar. Apesar também do pensamento racional que predomina, ainda acredito que em um dia estressante, no meio do trânsito, podemos olhar para o céu, pensar na vida, viajar, falar com Deus, enfim, dar voz à emoção. Mesmo com tanta competição e corrupção, ainda acredito nas pessoas, na poesia, até no amor.
E quem sabe até mesmo, quando aparecer uma pedra no caminho, não possamos sentar em cima dela e chorar.
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"Vida Escrita"
Há 14 anos